Conhecíamo-nos desde os tempos de Coimbra, no início dos anos 60. Vinte anos depois, era eu editor na Dom Quixote e ele, Joaquim Pais de Brito, assistente de Antropologia no ISCTE. Um dia, inesperadamente, apareceu-me na editora, trazendo consigo um velho livro — a “História do Fado”, de Pinto de Carvalho (Tinop) — que iria dar origem a um grande projeto, a coleção “Portugal de Perto”, dedicada aos novos estudos etnográficos e antropológicos que se iam produzindo na academia.

Vinda a público originalmente em 1903, a obra de Tinop é “o texto mais rico e denso de informações que se publicou sobre o fado” (JPB); e sendo “pelas canções populares que um país traduz mais lidimamente o seu carácter nacional e os seus costumes” (Tinop), concordei em não haver melhor maneira de iniciar uma linha editorial que se propunha trazer para mais perto do grande público diversos aspetos da(s) nossa(s) cultura(s).

Curiosamente, o Fado voltaria a aparecer noutro volume da coleção: “O Trágico e o Contraste — O Fado no Bairro de Alfama”, de António Firmino da Costa e Maria das Dores Guerreiro. Tudo isto acontecia, sublinhe-se, num momento em que o Fado era “mal visto” por uma parte da nossa sociedade e nem sequer se sonhava com a sua consagração como Património Imaterial da Humanidade.

Mas nem só da “triste canção do sul” (para usar o título de Alberto Pimentel) se fez o acervo da coleção; recuperando clássicos como “O Povo Português nos seus Costumes, Crenças e Tradições”, de Teófilo Braga, ou a “Etnografia Portuguesa”, do poveiro Rocha Peixoto, ou divulgando os trabalhos de uma nova geração de investigadores, como Brian Juan O’Neill ou o próprio Pais de Brito, a coleção abordou temas tão diversos como os vadios no Estado Novo (Susana Pereira Bastos), os ciganos em Portugal (Adolfo Coelho), as festas do Espírito Santo nos Açores (João Leal), as consequências da emigração numa freguesia minhota (Caroline Brettell), a violência em Portugal (João Fatela), o estudo do regadio (Jorge Dias e Fernando Galhano), a prostituição na cidade de Lisboa (Francisco Ignácio dos Santos Cruz) ou as práticas e crenças da gravidez, parto e pós-parto em Portugal (Teresa Joaquim). Descobri recentemente, com alegria, que a Etnográfica Press está a reeditar em versão eletrónica a totalidade dos volumes da “Portugal de Perto”, há muito esgotados. Quarenta anos depois, é a prova de que aquele dia em que Joaquim Pais de Brito entrou no meu gabinete da Dom Quixote marcou um momento importante na edição portuguesa. ★